Se a antecipação da tutela
anteriormente concedida a assistido de plano de previdência
complementar fechada houver sido revogada em decorrência de sentença
de improcedência do seu pedido, independentemente de culpa ou má-fé,
será possível à entidade previdenciária - administradora do plano de
benefícios que tenha suportado os prejuízos da tutela antecipada -
efetuar descontos mensais no percentual de 10% sobre o montante
total de cada prestação do benefício suplementar que vier a ser
recebida pelo assistido, até que ocorra a integral compensação, com
atualização monetária, da verba que fora antecipada, ainda que não
tenha havido prévio pedido ou reconhecimento judicial da
restituição. De fato, a sistemática adotada pelos
dispositivos da legislação processual civil que visam combater o
dano processual - relacionados à tutela antecipada, à tutela
cautelar e à execução provisória - inspira-se, conforme entendimento
doutrinário, em princípios diversos daqueles que norteiam as demais
disposições processuais, as quais buscam reprimir as condutas
maliciosas e temerárias das partes no trato com o processo, o
chamado
improbus litigator. Cuida-se de responsabilidade
processual objetiva, bastando a existência do dano decorrente da
pretensão deduzida em juízo para que sejam aplicados os arts. 273, §
3º, 475-O, I e II, e 811 do CPC/1973 (correspondentes aos arts. 297,
parágrafo único, 520, I e II, e 302 do CPC/2015). Desse modo, os
danos causados a partir da execução de tutela antecipada (assim
também a tutela cautelar e a execução provisória) são disciplinados
pelo sistema processual vigente à revelia de indagação acerca da
culpa da parte ou de questionamento sobre a existência ou não de
má-fé. Nesse contexto, em linha de princípio, a obrigação de
indenizar o dano causado pela execução de tutela antecipada
posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do
pedido, decorrência
ex lege da sentença. Por isso,
independe de pronunciamento judicial, dispensando também, por
lógica, pedido da parte interessada. Com mais razão, essa obrigação
também independe de pedido reconvencional ou de ação própria para o
acertamento da responsabilidade da parte acerca do dano causado pela
execução da medida. Aliás, o art. 302, parágrafo único, do CPC/2015
estabelece que, independentemente da reparação por dano processual,
a parte responde pelo prejuízo que a tutela de urgência causar à
parte adversa, devendo a indenização ser "liquidada nos autos em que
a medida tiver sido concedida, sempre que possível". Realmente, toda
sentença é apta a produzir efeitos principais (condenar, declarar,
constituir, por exemplo), que decorrem da demanda e da pretensão
apresentada pelo autor, e, também, efeitos secundários, que
independem da vontade das partes ou do próprio juízo. Nessa
conjuntura, a sentença de improcedência, quando revoga tutela
antecipadamente concedida, constitui, como efeito secundário, título
de certeza da obrigação de o autor indenizar o réu pelos danos
eventualmente experimentados, cujo valor exato será posteriormente
apurado em liquidação nos próprios autos. Com efeito, a
responsabilidade objetiva pelo dano processual causado por tutela
antecipada posteriormente revogada decorre da inexistência do
direito anteriormente acautelado, responsabilidade que independe de
reconhecimento judicial prévio ou de pedido do lesado. Além do mais,
o CC positivou princípio de sobredireito regente das relações
jurídicas privadas, qual seja, a boa-fé objetiva (art. 422), o qual
constitui cláusula geral, dirigida precipuamente ao julgador,
afigurando-se como instrumentalizadora do sistema, a emprestar a
este um aspecto móbil apto a mitigar a rigidez da norma posta,
legalmente ou contratualmente. Quanto à possibilidade de a entidade
previdenciária - administradora do plano de benefícios que tenha
suportado os prejuízos da tutela antecipada - efetuar descontos
mensais no percentual de 10% sobre o montante total de cada
prestação suplementar, considerando não haver norma que trate
especificamente do caso, deve-se, por analogia, buscar, no
ordenamento, uma norma que diga respeito à situação assemelhada.
Embora as previdências privada e pública submetam-se a regimes
jurídicos diversos, com regramentos específicos, tanto de nível
constitucional, quanto infraconstitucional, o regramento da
previdência estatutária, eventualmente, pode servir como instrumento
de auxílio à resolução de questões relativas à previdência privada
complementar (REsp 814.465-MS, Quarta Turma, DJe 24/5/2011). No
tocante à previdência oficial, a Primeira Seção do STJ (REsp
1.384.418-SC, DJe 30/8/2013) entendeu que, conquanto o recebimento
de valores por meio de antecipação dos efeitos da tutela não
caracterize, do ponto de vista subjetivo, má-fé por parte do
beneficiário da decisão, quanto ao aspecto objetivo, é inviável
falar que pode o titular do direito precário pressupor a
incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio, cabendo ser
observados os seguintes parâmetros para o ressarcimento: a) a
execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida;
b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá
fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios
previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito, adotado,
por simetria, o percentual aplicado aos servidores públicos (art.
46, § 1º, da Lei n. 8.112/1990). Este entendimento, ademais,
consolidou-se no julgamento do REsp Repetitivo 1.401.560-MT
(Primeira Seção, DJe 13/10/2015). Dessa forma, a par de ser solução
equitativa, a evitar o enriquecimento sem causa, cuida-se também, no
caso aqui analisado, de aplicação de analogia em vista do disposto
no art. 46, § 1º, da Lei n. 8.112/1990, aplicável aos servidores
públicos. Além disso, não bastasse a similitude das hipóteses
(devolução dos valores recebidos, a título de antecipação de tutela,
por servidor público e/ou segurado do INSS) - a bem justificar a
manifesta conveniência da aplicação da analogia -, enquanto a
previdência oficial é regime que opera com verba do orçamento da
União para garantir sua solvência (a teor do art. 195,
caput, da CF, a seguridade social será financiada por toda
a sociedade) os planos de benefícios de previdência complementar,
por disposições contidas nos arts. 20, 21 e 48 da LC n. 109/2001,
podem, até mesmo, vir a ser liquidados extrajudicialmente, em caso
de insolvência, e eventual resultado deficitário ou superavitário
dos planos é, respectivamente, suportado ou revertido em proveito
dos participantes e assistidos. Ora, não se pode perder de vista que
as entidades fechadas de previdência complementar, por força de lei,
são organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins
lucrativos, havendo um claro mutualismo com a coletividade
integrante dos planos de benefícios administrados por essas
entidades, de modo que todo eventual excedente é revertido em favor
dos participantes e assistidos do plano. O art. 34, I, da LC n.
109/2001 deixa límpido que as entidades fechadas de previdência
privada "apenas" administram os planos (inclusive, portanto, o fundo
formado, que não lhes pertence). Nesse contexto, o entendimento
firmado aqui - de que pode ser observado o aludido percentual de 10%
para a devolução, por assistido de plano de previdência
complementar, de valores recebidos a título de antecipação de tutela
posteriormente revogada - já foi adotado pela Terceira Turma do STJ
(REsp 1.555.853-RS, DJe 16/11/2015).
REsp 1.548.749-RS, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 13/4/2016, DJe 6/6/2016.