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terça-feira, 29 de setembro de 2015

Distribuidora de bebidas deve pagar pensão vitalícia a menor atropelado

Distribuidora de bebidas deve pagar pensão vitalícia a menor atropelado


A notícia abaixo refere-se
aos seguintes processos:
A empresa Rio de Janeiro Refresco Ltda. deve pagar pensão mensal vitalícia a um menor que, aos sete anos de idade, em novembro de 2001, foi atropelado por um caminhão que fazia entrega de bebidas. A criança teve de se submeter a várias cirurgias, que deixaram muitas cicatrizes e outros danos estéticos. A pensão mensal de um salário mínimo passou a incidir na data em que ela completou 14 anos.
A condenação imposta pela Justiça fluminense e mantida pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) obriga ainda a empresa a pagar R$ 93 mil por danos morais e igual valor por danos estéticos ao menor, além de R$ 50 mil por danos morais à sua mãe. Corrigida, a indenização devida à vitima soma hoje cerca de R$ 500 mil.
Em recurso especial ao STJ, a empresa alegou que não teria legitimidade para responder à ação porque o serviço de transporte de seus produtos era feito por empresa terceirizada. Alegou também que os pais foram negligentes nos cuidados com a criança, que brincava sozinha na rua, o que ensejaria culpa concorrente.
Segundo o relator, ministro Raul Araújo, a jurisprudência do STJ estabelece que a empresa contratante de serviço de frete é parte legítima para responder pelos danos causados a terceiros em acidente de trânsito se o veículo estava a seu serviço. Já a alegada culpa dos pais foi afastada pelo tribunal local, e só com a reanálise de provas seria possível mudar essa conclusão, o que não pode ser feito em recurso especial.
Consultas
Raul Araújo acolheu a argumentação da empresa apenas em relação ao valor de consultas médicas. A condenação também impôs o pagamento de consultas periódicas com especialistas diversos, tratamento psicológico, cirurgia reparadora, fisioterapia e acompanhante para a vítima enquanto for necessário.
O relator considerou que o valor estabelecido para consultas – um salário mínimo em alguns casos – extrapola a média do que é cobrado no país e deu provimento parcial ao recurso para reduzir esse valor à metade. A Quarta Turma estabeleceu ainda que seja verificada a cada 18 meses a necessidade de acompanhante.
Sobre a pensão mensal, a turma confirmou a decisão do tribunal fluminense quanto à necessidade de constituição de capital para garantir seu pagamento, mas explicou que o juízo da execução, avaliando a capacidade econômica da empresa e demais circunstâncias do caso, poderá admitir a inclusão em folha de pagamento, conforme prevê o artigo 475-Q do Código de Processo Civil.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Turma reduz indenização para coordenador que recebia e-mails ofensivos de pais de alunos


(Seg 21 de Set 2015 15:00:00)
A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho reduziu o valor de R$ 30 mil para R$ 5 mil a indenização a um coordenador de curso superior da Faculdade Anhanguera Educacional Ltda. que recebia e-mails ofensivos dos familiares dos alunos. Ele era obrigado a cobrar mensalidades e vender livros para os alunos em sala de aula.
Além de coordenar os cursos de Administração e Gestão em Recursos Humanos e dois cursos de ensino superior a distância, o profissional também exercia a função de professor. Ao pedir indenização por dano moral contra a instituição, disse que recebia e-mails ofensivos e reclamações dos familiares dos estudantes.
Condenada a indenizar o coordenador em R$ 10 mil, a Anhanguera tentou reformar a sentença no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP). Alegou que os fatos tidos como caracterizadores de assédio moral decorrem naturalmente do cargo de gestão exercido.
"Testa de ferro"
De acordo com o Regional, o caso é bem conhecido nas grandes instituições de ensino, onde os funcionários chamados de "testa de ferro", assumem variados deveres, principalmente os mais desagradáveis e não raro são colocados na berlinda para resolverem as mais variadas situações. Ao analisar os depoimentos das testemunhas que revelaram a rotina do trabalhador, o TRT verificou que o coordenador era submetido a situações "vexatórias e espezinhantes". Assim, rejeitou o recurso da instituição e elevou o valor da indenização para R$ 30 mil.
TST
A condenação da Anhanguera foi mantida no TST, constatando o relator, desembargador convocado Breno Medeiros, tratar-se de dano moral presumível, não necessitando de prova para demonstrar o abalo moral sofrido. Mas, com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o valor fixado pelo TRT foi reduzido para R$ 5 mil.
(Lourdes Côrtes/RR)

O TST possui oito Turmas julgadoras, cada uma composta por três ministros, com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).
Esta matéria tem caráter informativo, sem cunho oficial.
Permitida a reprodução mediante citação da fonte.
Secretaria de Comunicação Social
Tribunal Superior do Trabalho
Tel. (61) 3043-4907
imprensa@tst.jus.br

Liminar contra tributo inconstitucional não beneficia filial de forma automática

DECISÃO 

A notícia abaixo refere-se
aos seguintes processos:

 

Quando a exigência do tributo é declarada ilegal ou inconstitucional, uma liminar concedida à empresa matriz pode ser estendida às suas filiais, mas essa extensão não é automática. Segundo o ministro Humberto Martins, da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para que os efeitos da decisão judicial sejam aproveitados pelas filiais é preciso que elas estejam descritas na petição inicial.
Martins foi relator do recurso de uma empresa de comércio eletrônico. A matriz do grupo havia obtido liminar em mandado de segurança para suspender a exigência de diferencial de alíquota do ICMS em operações de entrada de mercadorias no estado de Goiás realizadas por meio não presencial (por exemplo, internet ou telemarketing).
A empresa sustentou perante o Tribunal de Justiça de Goiás que os efeitos da liminar deveriam ser estendidos de forma automática às filiais do grupo, mas a corte negou a pretensão ao fundamento de que a petição inicial não trouxe o pedido em favor dessas filiais.
Extensão possível
O ministro Humberto Martins explicou que, para avaliar eventual extensão dos efeitos da liminar, é preciso distinguir entre duas situações: quando o fato gerador do tributo opera-se de maneira individualizada em cada estabelecimento, caso em que a legalidade do crédito tributário deve ser aferida isoladamente, sendo inviável a extensão; e quando a exigência de tributo de determinada forma é, por si só, ilegal ou inconstitucional, hipótese em que a extensão dos efeitos da decisão judicial é possível.
O ministro observou que a liminar foi concedida à matriz em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal que, em 2014, julgou inconstitucional a cobrança de diferencial de alíquota de ICMS na forma do protocolo ICMS 21/2011 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
“Em tal hipótese, a cobrança seria inconstitucional e inexigível não apenas para a matriz, mas para todas as filiais. Quando a própria cobrança é abstratamente inexigível, independentemente de fato gerador individualizado, é possível que a decisão se estenda para as filiais. Entretanto, para que a tutela antecipada seja aproveitada pelas filiais, os estabelecimentos devem ser minuciosamente descritos na petição inicial, não sendo automática a extensão dos efeitos da decisão”, declarou Martins.
Leia o acórdão.

Partilha de bens em união estável no regime de separação obrigatória exige prova de esforço comum


Na dissolução de união estável mantida sob o regime de separação obrigatória de bens, a divisão daquilo que foi adquirido onerosamente na constância da relação depende de prova do esforço comum para o incremento patrimonial. A tese foi firmada pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Segundo o relator do caso, ministro Raul Araújo, a presunção legal do esforço comum, prevista na lei que regulamentou a união estável (Lei 9.278/96), não pode ser aplicada sem que se considere a exceção relacionada à convivência de pessoas idosas, caracterizada pela separação de bens.
O caso analisado diz respeito à partilha em união estável iniciada quando o companheiro já contava mais de 60 anos e ainda vigia o Código Civil de 1916 – submetida, portanto, ao regime da separação obrigatória de bens (artigo 258, I). A regra antiga também fixava em mais de 50 anos a idade das mulheres para que o regime de separação fosse adotado obrigatoriamente. O Código Civil atual, de 2002, estabelece o regime de separação de bens para os maiores de 70 anos (artigo 1.641, II).
A decisão da Segunda Seção foi tomada no julgamento de embargos de divergência que contestavam acórdão da Terceira Turma – relativo à meação de bens em união estável de idosos iniciada sob o CC/16 – em face de outro julgado do STJ, este da Quarta Turma. A seção reformou o acórdão da Terceira Turma, que havia considerado que o esforço comum deveria ser presumido.
STF
Ao analisar a questão, o ministro Raul Araújo afirmou que o entendimento segundo o qual a comunhão dos bens adquiridos durante a união pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum, está em sintonia com o sistema legal de regime de bens do casamento, confirmado no Código Civil de 2002. Essa posição prestigia a eficácia do regime de separação legal de bens, declarou o relator.
O ministro observou que cabe ao interessado comprovar que teve efetiva e relevante participação (ainda que não financeira) no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser partilhado no fim da união (prova positiva).
A Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (STF) diz que “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento”. Segundo o ministro Raul Araújo, a súmula tem levado a jurisprudência a considerar que pertencem a ambos os cônjuges – metade a cada um – os bens adquiridos durante a união com o produto do trabalho e da economia de ambos.
Assim, a Súmula 377/STF, isoladamente, não confere ao companheiro o direito à meação dos bens adquiridos durante o período de união estável sem que seja demonstrado o esforço comum, explicou o relator.
Ineficácia
Para o ministro, a ideia de que o esforço comum deva ser sempre presumido (por ser a regra da lei da união estável) conduziria à ineficácia do regime da separação obrigatória (ou legal) de bens, pois, para afastar a presunção, o interessado precisaria fazer prova negativa, comprovar que o ex-companheiro em nada contribuiu para a aquisição onerosa de determinado bem, embora ele tenha sido adquirido na constância da união. Tornaria, portanto, praticamente impossível a separação do patrimônio.
“Em suma”, concluiu Raul Araújo, “sob o regime do Código Civil de 1916, na união estável de pessoas com mais de 50 anos (se mulher) ou 60 anos (se homem), à semelhança do que ocorre com o casamento, também é obrigatória a adoção do regime de separação de bens.” Ele citou o precedente da Quarta Turma, para o qual não seria razoável que, a pretexto de regular a união de pessoas não casadas, o ordenamento jurídico estabelecesse mais direitos aos conviventes em união estável do que aos cônjuges.
Acompanharam o relator os ministros Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro. Votou de forma divergente o ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
 

sábado, 19 de setembro de 2015

A AMANTE E O ENTENDIMENTO DO STJ

Terceira Turma
DIREITO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO CÚMPLICE DE RELACIONAMENTO EXTRACONJUGAL NO CASO DE OCULTAÇÃO DE PATERNIDADE BIOLÓGICA.
O "cúmplice" em relacionamento extraconjugal não tem o dever de reparar por danos morais o marido traído na hipótese em que a adúltera tenha ocultado deste o fato de que a criança nascida durante o matrimônio e criada pelo casal seria filha biológica sua e do seu "cúmplice", e não do seu esposo, que, até a revelação do fato, pensava ser o pai biológico da criança. Isso porque, em que pese o alto grau de reprovabilidade da conduta daquele que se envolve com pessoa casada, o "cúmplice" da esposa infiel não é solidariamente responsável quanto a eventual indenização ao marido traído, pois esse fato não constitui ilícito civil ou penal, diante da falta de contrato ou lei obrigando terceiro estranho à relação conjugal a zelar pela incolumidade do casamento alheio ou a revelar a quem quer que seja a existência de relação extraconjugal firmada com sua amante. REsp 922.462-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 4/4/2013.
Quarta Turma
SEGURO. CONCUBINATO. HOMEM CASADO.
Omitindo a condição de casado, o falecido nomeou como beneficiária de seguro de vida a mulher com quem vivia em adultério. Note-se que este convivia com as duas mulheres, gerando prole concomitante com ambas. A Turma, pelas peculiaridades do caso, determinou o fracionamento por igual da indenização securitária entre a esposa e a amante. REsp 100.888-BA, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 14/12/2000.

UNIÃO ESTÁVEL E O ENTENDIMENTO DO STJ

Terceira Turma
DIREITO CIVIL. PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA NA AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE BENEFICIÁRIO NO CONTRATO DE SEGURO DE VIDA.
Na hipótese em que o segurado tenha contratado seguro de vida sem indicação de beneficiário e, na data do óbito, esteja separado de fato e em união estável, o capital segurado deverá ser pago metade aos herdeiros, segundo a ordem da vocação hereditária, e a outra metade à cônjuge não separada judicialmente e à companheira. De fato, o art. 792 do CC dispõe que: "Na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que for feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem da vocação hereditária". Em que pese a doutrina pátria divergir a respeito da interpretação a ser dada ao referido dispositivo legal, o intérprete não deve se apegar simplesmente à letra da lei. Desse modo, ele deve perseguir o espírito da norma a partir de outras, inserindo-a no sistema como um todo, para extrair, assim, o seu sentido mais harmônico e coerente com o ordenamento jurídico. Nesse contexto, nunca se pode perder de vista a finalidade da lei, ou seja, a razão pela qual foi elaborada e o bem jurídico que visa proteger. Dessa forma, os métodos de interpretação da norma em questão devem ser o sistemático e o teleológico (art. 5º da LINDB), a amparar também a figura do companheiro (união estável). Nesse passo, impende assinalar que o segurado, ao contratar o seguro de vida, geralmente possui a intenção de resguardar a própria família, os parentes ou as pessoas que lhe são mais valiosas, de modo a não deixá-los desprotegidos economicamente quando de seu óbito. Logo, na falta de indicação de beneficiário na apólice de seguro de vida, revela-se incoerente com o sistema jurídico nacional o favorecimento do cônjuge separado de fato em detrimento do companheiro do segurado, sobretudo considerando que a união estável é reconhecida constitucionalmente como entidade familiar. Ademais, ressalte-se que o reconhecimento da qualidade de companheiro pressupõe a inexistência de cônjuge ou o término da sociedade conjugal (arts. 1.723 a 1.727 do CC). Efetivamente, a separação de fato se dá na hipótese de rompimento do laço de afetividade do casal, ou seja, ocorre quando esgotado o conteúdo material do casamento. A exegese exposta privilegia a finalidade e a unidade do sistema, harmonizando os institutos do direito de família com o direito obrigacional, coadunando-se ao que já ocorre na previdência social e na do servidor público e militar para os casos de pensão por morte: rateio igualitário do benefício entre o ex-cônjuge e o companheiro (AgRg no Ag 1.088.492-SP, Terceira Turma, DJe 1º/6/2015). Portanto, a interpretação do art. 792 do CC mais consentânea com o ordenamento jurídico é que, no seguro de vida, na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, o capital segurado deverá ser pago metade aos herdeiros do segurado, segundo a ordem da vocação hereditária, e a outra metade ao cônjuge não separado judicialmente e ao companheiro, desde que comprovada, nessa última hipótese, a união estável. REsp 1.401.538-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 4/8/2015, DJe 12/8/2015.
Terceira Turma
DIREITO CIVIL. IRRETROATIVIDADE DOS EFEITOS DE CONTRATO DE UNIÃO ESTÁVEL.
Não é lícito aos conviventes atribuírem efeitos retroativos ao contrato de união estável, a fim de eleger o regime de bens aplicável ao período de convivência anterior à sua assinatura. Inicialmente, registre-se, acerca dos efeitos do contrato de união estável, que doutrinadores renomados sustentam que, na união estável, é possível a alteração, a qualquer tempo, das disposições de caráter patrimonial, inclusive com efeitos retroativos, mediante singelo acordo despido de caráter patrimonial, sob o argumento de que deve prevalecer o princípio da autonomia da vontade. Não obstante essa vertente doutrinária, o art. 1.725 do CC não comporta o referido alcance. Com efeito, o mencionado dispositivo legal autoriza que os conviventes formalizem suas relações patrimoniais e pessoais por meio de contrato e que somente na ausência dele aplicar-se-á, no que couber, o regime de comunhão parcial. Em síntese: enquanto não houver a formalização da união estável, vigora o regime da comunhão parcial, no que couber. O contrato de convivência, no entanto, não pode conceder mais benefícios à união estável do que ao casamento, pois o legislador constitucional, apesar de reconhecer os dois institutos como entidade familiar e lhes conferir proteção, não os colocou no mesmo patamar, pois expressamente dispôs que a lei facilitará a conversão daquele neste (§ 3º do art. 226 da CF). Portanto, como o regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento (§ 1º do art. 1.639 do CC) e a modificação dele somente é permitida mediante autorização judicial requerida por ambos os consortes, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvado o direito de terceiros (§ 3º do art. 1.639 do CC), não se vislumbra como o contrato de convivência poderia reconhecer uma situação que o legislador, para o casamento, enuncia a necessidade da intervenção do Judiciário. Até porque, admitir o contrário seria conferir, sem dúvida, mais benefícios à união estável do que ao matrimônio civil, bem como teria o potencial de causar prejuízo a direito de terceiros que porventura tivessem contratado com os conviventes. REsp 1.383.624-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 2/6/2015, DJe 12/6/2015.
Quarta Turma
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PENHORA DE QUOTAS SOCIAIS NA PARTE RELATIVA À MEAÇÃO.
A existência de dívida alimentar não autoriza a penhora imediata de cotas sociais pertencentes à atual companheira do devedor na parte relativa à meação, sem que antes tenha sido verificada a viabilidade de constrição do lucro relativo às referidas cotas e das demais hipóteses que devam anteceder a penhora (art. 1.026, c/c art. 1.053, ambos do CC). Com efeito, como se aplica à união estável o regime da comunhão parcial de bens, a jurisprudência do STJ admite a penhora da meação do devedor para satisfação de débito exequendo (REsp 708.143-MA, Quarta Turma, DJ 26/2/2007). Igualmente, não se pode olvidar que a jurisprudência STJ, nos moldes do disposto no art. 655, VI, do CPC, também admite a penhora de quotas sociais do executado para satisfação de crédito exequendo, ainda que exista vedação no contrato social da sociedade empresária à livre alienação das cotas, sem que isso, todavia, implique a admissão como sócio daquele que arrematar ou adjudicar (REsp 327.687-SP, Quarta Turma, DJ 15/4/2002). Contudo, não se pode ignorar que o advento do art. 1.026 do CC, ao dispor que "O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação", relativizou a penhorabilidade das quotas sociais, que só deve ser efetuada acaso superadas as demais possibilidades conferidas pelo dispositivo mencionado, consagrando o princípio da conservação da empresa ao restringir a adoção de solução que possa provocar a dissolução da sociedade empresária e maior onerosidade da execução, visto que a liquidação parcial da sociedade empresária, por débito estranho à sociedade, implica a sua descapitalização, afetando os interesses dos demais sócios, empregados, fornecedores e credores da empresa. Nesse mesmo diapasão, propugna a doutrina que não cabe ao credor particular do sócio "escolher se vai receber os lucros ou se vai liquidar parte da sociedade como forma de pagamento do que lhe é devido, seria condenar as sociedades a um futuro incerto e possivelmente desastroso, caso a diminuição de capital afete sua capacidade produtiva. Nessa última situação acabaria, ainda, punindo a sociedade por obrigação que lhe é estranha, da qual não tomou parte, mas que poderia ser adimplida de outro modo", devendo sempre que possível ser feita a opção pela retenção dos lucros, correspondentes à quota social do devedor. Convém consignar que o Enunciado 387 da IV Jornada de Direito Civil propõe que a opção entre fazer a execução recair sobre o que ao sócio couber no lucro da sociedade ou na parte em que lhe tocar em dissolução orienta-se pelos princípios da menor onerosidade e da função social da empresa. Assim, tendo em vista o disposto no art. 1.026, c/c o art. 1.053, ambos do CC, e os princípios da conservação da empresa e da menor onerosidade da execução, cabe ao exequente requerer a penhora dos lucros relativos às quotas sociais correspondentes à meação do devedor - o que também é a inteligência do art. 1.027 do CC -, não podendo ser deferida, de modo imediato, a penhora de quotas sociais de sociedade empresária em plena atividade, em prejuízo de terceiros, por dívida estranha à referida pessoa jurídica. REsp 1.284.988-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/3/2015, DJe 9/4/2015.
Quarta Turma
DIREITO CIVIL. DIREITO A ALIMENTOS PELO ROMPIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO.
É juridicamente possível o pedido de alimentos decorrente do rompimento de união estável homoafetiva. De início, cabe ressaltar que, no STJ e no STF, são reiterados os julgados dando conta da viabilidade jurídica de uniões estáveis formadas por companheiros do mesmo sexo sob a égide do sistema constitucional inaugurado em 1988, que tem como caros os princípios da dignidade da pessoa humana, a igualdade e repúdio à discriminação de qualquer natureza (STF: ADPF 132, Tribunal Pleno, DJe 14/10/2011; e RE 477554 AgR, Segunda Turma, DJe 26/08/2011. STJ: REsp 827.962-RS, Quarta Turma, DJe 08/08/2011; e REsp 1.199.667-MT, Terceira Turma, DJe 04/08/2011). Destaque-se que STF explicitou que o julgamento da ADPF 132-RJ proclamou que "ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual" (RE 477.554 AgR, Segunda Turma, DJe 26/8/2011). De fato, a igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito a autoafirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias, sendo a base jurídica para a construção do direito à orientação sexual como direito personalíssimo, atributo inerente e inegável da pessoa humana. Em outras palavras, resumidamente: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se for garantido o direito à diferença. Conclusão diversa também não se mostra consentânea com o ordenamento constitucional, que prevê o princípio do livre planejamento familiar (§ 7º do art. 226), tendo como alicerce a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) somada à solidariedade social (art. 3º) e à igualdade substancial (arts. 3º e 5º). É importante ressaltar, ainda, que o planejamento familiar se faz presente tão logo haja a decisão de duas pessoas em se unirem, com escopo de constituírem família. Nesse momento, a Constituição lhes franqueia ampla proteção funcionalizada na dignidade de seus membros. Trilhando esse raciocínio é que o STF, no julgamento conjunto da ADPF 132-RJ e da ADI 4.277-DF, conferiu interpretação conforme ao art. 1.723 do CC ("é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família") para afastar qualquer exegese que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como "entidade familiar", entendida esta como sinônimo perfeito de família. Por conseguinte, "este reconhecimento é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas conseqüências da união estável heteroafetiva". Portanto, a legislação que regula a união estável deve ser interpretada de forma expansiva e igualitária, permitindo que as uniões homoafetivas tenham o mesmo regime jurídico protetivo conferido aos casais heterossexuais, trazendo efetividade e concreção aos princípios da dignidade da pessoa humana, não discriminação, igualdade, liberdade, solidariedade, autodeterminação, proteção das minorias, busca da felicidade e ao direito fundamental e personalíssimo à orientação sexual. Nessa ordem de ideias, não há como afastar da relação de pessoas do mesmo sexo a obrigação de sustento e assistência técnica, protegendo-se, em última análise, a própria sobrevivência do mais vulnerável dos parceiros, uma vez que se trata de entidade familiar, vocacionalmente amorosa, parental e protetora dos respectivos membros, constituindo-se no espaço ideal das mais duradouras, afetivas, solidárias ou espiritualizadas relações humanas de índole privada, o que a credenciaria como base da sociedade (ADI 4.277-DF e ADPF 132-RJ). Ora, se a união homoafetiva é reconhecidamente uma família e se o fundamento da existência das normas de direito de família consiste precisamente em gerar proteção jurídica ao núcleo familiar, parece despropositado concluir que o elevado instrumento jurídico dos alimentos não pudesse alcançar os casais homoafetivos, relação também edificada na solidariedade familiar, com espeque no dever de cooperação, reciprocidade e assistência mútuos (art. 1.724 do CC). De fato, o direito a alimentos do companheiro que se encontra em situação precária e de vulnerabilidade assegura a máxima efetividade do interesse prevalente, a saber, o mínimo existencial, com a preservação da dignidade do indivíduo, conferindo a satisfação de necessidade humana básica. É por isso que a doutrina afirma que a proteção das pessoas "em situação de vulnerabilidade e necessitadas de auxílio material encontra suas requisições alimentícias na solidariedade familiar, edificada na cooperação, ajuda, contribuição, reciprocidade e na assistência dos demais indivíduos que compõem o seu núcleo familiar, pois é dentro das diferentes relações de família, sejam elas de origem biológica ou advindas de vínculos afetivos hétero ou homossexuais, que seus componentes materializam seus direitos e suas expectativas pessoais". Realmente, o projeto de vida advindo do afeto, nutrido pelo amor, solidariedade, companheirismo, sobeja obviamente no amparo material dos componentes da união, até porque os alimentos não podem ser negados a pretexto de uma preferência sexual diversa. O art. 1.694 do CC, ao prever que os parentes, os cônjuges ou companheiros podem pedir uns aos outros alimentos, na qualidade de sujeitos potencialmente ativos e passivos dessa obrigação recíproca, não exclui o casal homossexual dessa normatização. De fato, a conclusão que se extrai no cotejo de todo ordenamento é a de que a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família (ADI 4.277-DF e ADPF 132-RJ), incluindo-se aí o reconhecimento do direito à sobrevivência com dignidade por meio do pensionamento alimentar. REsp 1.302.467-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 3/3/2015, DJe 25/3/2015.
Terceira Turma
DIREITO CIVIL. DEFINIÇÃO DE PROPÓSITO DE CONSTITUIR FAMÍLIA PARA EFEITO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL.
O fato de namorados projetarem constituir família no futuro não caracteriza união estável, ainda que haja coabitação. Isso porque essas circunstâncias não bastam à verificação da affectio maritalis. O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, estar constituída. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício). A coabitação entre namorados, a propósito, afigura-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. Por oportuno, convém ressaltar que existe precedente do STJ no qual, a despeito da coabitação entre os namorados, por contingências da vida, inclusive com o consequente fortalecimento da relação, reconheceu-se inexistente a união estável, justamente em virtude da não configuração do animus maritalis (REsp 1.257.819-SP, Terceira Turma, DJe 15/12/2011). REsp 1.454.643-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 3/3/2015, DJe 10/3/2015.
Segunda Seção
DIREITO CIVIL. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA, NA PARTILHA, DAS NORMAS VIGENTES AO TEMPO DA AQUISIÇÃO DOS BENS.
Ainda que o término do relacionamento e a dissolução da união estável tenham ocorrido durante a vigência da Lei 9.278/1996, não é possível aplicar à partilha do patrimônio formado antes da vigência da referida lei a presunção legal de que os bens adquiridos onerosamente foram fruto de esforço comum dos conviventes (art. 5º da Lei 9.278/1996), devendo-se observar o ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar. Antes da Lei 9.278/1996, a partilha de bens ao término da união estável dava-se mediante a comprovação - e na proporção respectiva - do esforço direto ou indireto de cada companheiro para a formação do patrimônio amealhado durante a convivência (Súmula 380 do STF). Apenas com a referida Lei, estabeleceu-se a presunção legal relativa de comunhão dos bens adquiridos a título oneroso durante a união estável (art. 5º da Lei 9.278/1996), excetuados os casos em que existe estipulação em sentido contrário (caput do art. 5º) e os casos em que a aquisição patrimonial decorre do produto de bens anteriores ao início da união (§ 1º do art. 5º). Os bens adquiridos anteriormente à Lei 9.278/1996 têm a propriedade - e, consequentemente, a partilha ao término da união - disciplinada pelo ordenamento jurídico vigente quando da respectiva aquisição. Com efeito, a aquisição da propriedade dá-se no momento em que se aperfeiçoam os requisitos legais para tanto. Desse modo, a titularidade dos bens não pode ser alterada por lei posterior em prejuízo ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito (art. 5, XXXVI, da CF e art. 6º da LINDB). Cumpre esclarecer, a propósito, que os princípios legais que regem a sucessão e a partilha de bens não se confundem: a sucessão é disciplinada pela lei em vigor na data do óbito; a partilha de bens, ao contrário - seja em razão do término, em vida, do relacionamento, seja em decorrência do óbito do companheiro ou cônjuge - deve observar o regime de bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar. A aplicação da lei vigente ao término do relacionamento a todo o período de união implicaria expropriação do patrimônio adquirido segundo a disciplina da lei anterior, em manifesta ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, além de causar insegurança jurídica, podendo atingir até mesmo terceiros. Ademais, deve-se levar em consideração que antes da edição da Lei 9.278/1996 os companheiros não dispunham de instrumento eficaz para, caso desejassem, dispor sobre a forma de aquisição do patrimônio durante a união estável. Efetivamente, como não havia presunção legal de meação de bens entre conviventes, não havia sequer razão para que os conviventes fizessem estipulação escrita em contrário a direito dispositivo inexistente. REsp 1.124.859-MG, Rel. originário Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 26/11/2014, DJe 27/2/2015.
Segunda Seção
DIREITO CIVIL. ÓBITO DE EX-COMPANHEIRO ALIMENTANTE E RESPONSABILIDADE DO ESPÓLIO PELOS DÉBITOS ALIMENTARES NÃO QUITADOS.
Extingue-se, com o óbito do alimentante, a obrigação de prestar alimentos a sua ex-companheira decorrente de acordo celebrado em razão do encerramento da união estável, transmitindo-se ao espólio apenas a responsabilidade pelo pagamento dos débitos alimentares que porventura não tenham sido quitados pelo devedor em vida (art. 1.700 do CC). De acordo com o art. 1.700 do CC, "A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694". Esse comando deve ser interpretado à luz do entendimento doutrinário de que a obrigação alimentar é fruto da solidariedade familiar, não devendo, portanto, vincular pessoas fora desse contexto. A morte do alimentante traz consigo a extinção da personalíssima obrigação alimentar, pois não se pode conceber que um vínculo alimentar decorrente de uma já desfeita solidariedade entre o falecido-alimentante e a alimentada, além de perdurar após o término do relacionamento, ainda lance seus efeitos para além da vida do alimentante, deitando garras no patrimônio dos herdeiros, filhos do de cujus. Entender que a obrigação alimentar persiste após a morte, ainda que nos limites da herança, implicaria agredir o patrimônio dos herdeiros (adquirido desde o óbito por força da saisine). Aliás, o que se transmite, no disposto do art. 1.700 do CC, é a dívida existente antes do óbito e nunca o dever ou a obrigação de pagar alimentos, pois personalíssima. Não há vínculos entre os herdeiros e a ex-companheira que possibilitem se protrair, indefinidamente, o pagamento dos alimentos a esta, fenecendo, assim, qualquer tentativa de transmitir a obrigação de prestação de alimentos após a morte do alimentante. O que há, e isso é inegável, até mesmo por força do expresso texto de lei, é a transmissão da dívida decorrente do débito alimentar que por ventura não tenha sido paga pelo alimentante enquanto em vida. Essa limitação de efeitos não torna inócuo o texto legal que preconiza a transmissão, pois, no âmbito do STJ, se vem dando interpretação que, embora lhe outorgue efetividade, não descura dos comandos macros que regem as relações das obrigações alimentares. Daí a existência de precedentes que limitam a prestação dos alimentos, pelo espólio, à circunstância do alimentado também ser herdeiro, ante o grave risco de demoras, naturais ou provocadas, no curso do inventário, que levem o alimentado a carência material inaceitável (REsp 1.010.963-MG, Terceira Turma, DJe 5/8/2008). Qualquer interpretação diversa, apesar de gerar mais efetividade ao art. 1.700 do CC, vergaria de maneira inaceitável os princípios que regem a obrigação alimentar, dando ensejo à criação de situações teratológicas, como o de viúvas pagando alimentos para ex-companheiras do de cujus, ou verdadeiro digladiar entre alimentados que também sejam herdeiros, todos pedindo, reciprocamente, alimentos. Assim, admite-se a transmissão tão somente quando o alimentado também seja herdeiro, e, ainda assim, enquanto perdurar o inventário, já se tratando aqui de uma excepcionalidade, porquanto extinta a obrigação alimentar desde o óbito. A partir de então (no caso de herdeiros) ou a partir do óbito do alimentante (para aqueles que não o sejam), fica extinto o direito de perceber alimentos com base no art. 1.694 do CC, ressaltando-se que os valores não pagos pelo alimentante podem ser cobrados do espólio. REsp 1.354.693-SP, Rel. originário Min. Maria Isabel Gallotti, voto vencedor Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 26/11/2014, DJe 20/2/2015.
Terceira Turma
DIREITO CIVIL. DESCONSTITUIÇÃO DE PATERNIDADE REGISTRAL.
Admitiu-se a desconstituição de paternidade registral no seguinte caso: (a) o pai registral, na fluência de união estável estabelecida com a genitora da criança, fez constar o seu nome como pai no registro de nascimento, por acreditar ser o pai biológico do infante; (b) estabeleceu-se vínculo de afetividade entre o pai registral e a criança durante os primeiros cinco anos de vida deste; (c) o pai registral solicitou, ao descobrir que fora traído, a realização de exame de DNA e, a partir do resultado negativo do exame, não mais teve qualquer contato com a criança, por mais de oito anos até a atualidade; e (d) o pedido de desconstituição foi formulado pelo próprio pai registral. De fato, a simples ausência de convergência entre a paternidade declarada no assento de nascimento e a paternidade biológica, por si só, não autoriza a invalidação do registro. Realmente, não se impõe ao declarante, por ocasião do registro, prova de que é o genitor da criança a ser registrada. O assento de nascimento traz, em si, essa presunção. Entretanto, caso o declarante demonstre ter incorrido, seriamente, em vício de consentimento, essa presunção poderá vir a ser ilidida por ele. Não se pode negar que a filiação socioativa detém integral respaldo do ordenamento jurídico nacional, a considerar a incumbência constitucional atribuída ao Estado de proteger toda e qualquer forma de entidade familiar, independentemente de sua origem (art. 227 da CF). Ocorre que o estabelecimento da filiação socioafetiva perpassa, necessariamente, pela vontade e, mesmo, pela voluntariedade do apontado pai, ao despender afeto, de ser reconhecido como tal. Em outras palavras, as manifestações de afeto e carinho por parte de pessoa próxima à criança somente terão o condão de convolarem-se numa relação de filiação se, além da caracterização do estado de posse de filho, houver, por parte do indivíduo que despende o afeto, a clara e inequívoca intenção de ser concebido juridicamente como pai ou mãe da criança. Portanto, a higidez da vontade e da voluntariedade de ser reconhecido juridicamente como pai consubstancia pressuposto à configuração de filiação socioafetiva no caso aqui analisado. Dessa forma, não se concebe a conformação dessa espécie de filiação quando o apontado pai incorre em qualquer dos vícios de consentimento. Ademais, sem proceder a qualquer consideração de ordem moral, não se pode obrigar o pai registral, induzido a erro substancial, a manter uma relação de afeto igualmente calcada no vício de consentimento originário, impondo-lhe os deveres daí advindos sem que voluntária e conscientemente o queira. Além disso, como a filiação sociafetiva pressupõe a vontade e a voluntariedade do apontado pai de ser assim reconhecido juridicamente, caberá somente a ele contestar a paternidade em apreço. Por fim, ressalte-se que é diversa a hipótese em que o indivíduo, ciente de que não é o genitor da criança, voluntária e expressamente declara o ser perante o Oficial de Registro das Pessoas Naturais ("adoção à brasileira"), estabelecendo com esta, a partir daí, vínculo da afetividade paterno-filial. Nesta hipótese - diversa do caso em análise -, o vínculo de afetividade se sobrepõe ao vício, encontrando-se inegavelmente consolidada a filiação socioafetiva (hipótese, aliás, que não comportaria posterior alteração). A consolidação dessa situação - em que pese antijurídica e, inclusive, tipificada no art. 242 do CP -, em atenção ao melhor e prioritário interesse da criança, não pode ser modificada pelo pai registral e socioafetivo, afigurando-se irrelevante, nesse caso, a verdade biológica. Trata-se de compreensão que converge com o posicionamento perfilhado pelo STJ (REsp 709.608-MS, Quarta Turma, DJe 23/11/2009; e REsp 1.383.408-RS, Terceira Turma, DJe 30/5/2014). REsp 1.330.404-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 5/2/2015, DJe 19/2/2015.
Terceira Turma
DIREITO CIVIL. ALIENAÇÃO, SEM CONSENTIMENTO DO COMPANHEIRO, DE BEM IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL.
A invalidação da alienação de imóvel comum, fundada na falta de consentimento do companheiro, dependerá da publicidade conferida à união estável, mediante a averbação de contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência de união estável no Ofício do Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns, ou da demonstração de má-fé do adquirente. A Lei 9.278/1996, em seu art. 5º, ao dispor acerca dos bens adquiridos na constância da união estável, estabeleceu serem eles considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos os conviventes, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito. Dispôs, ainda, que a administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, questão também submetida ao poder de disposição dos conviventes. Nessa perspectiva, conforme entendimento doutrinário, a alienação de bem co-titularizado por ambos os conviventes, na esteira do citado artigo, sem a anuência de um dos condôminos, representaria alienação - pelo menos em parte - de coisa alheia, caracterizando uma venda "a non domino", ou seja, um ato ilícito. Por outro lado, inolvidável a aplicabilidade, em regra, da comunhão parcial de bens à união estável, consoante o disposto no caput do art. 1.725 do CC. E, especialmente acerca da disponibilidade dos bens, em se tratando de regime que não o da separação absoluta, consoante disciplinou o CC no seu art. 1.647, nenhum dos cônjuges poderá, sem autorização do outro, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis. A interpretação dessas normas, ou seja, do art. 5º da Lei 9.278/1996 e dos já referidos arts. 1.725 e 1.647 do CC, fazendo-as alcançar a união estável, não fosse pela subsunção mesma, esteia-se, ainda, no fato de que a mesma ratio - que indisfarçavelmente imbuiu o legislador a estabelecer a outorga uxória e marital em relação ao casamento - mostra-se presente em relação à união estável; ou seja, a proteção da família (com a qual, aliás, compromete-se o Estado, seja legal, seja constitucionalmente). Todavia, levando-se em consideração os interesses de terceiros de boa-fé, bem como a segurança jurídica necessária para o fomento do comércio jurídico, os efeitos da inobservância da autorização conjugal em sede de união estável dependerão, para a sua produção (ou seja, para a eventual anulação da alienação do imóvel que integra o patrimônio comum) da existência de uma prévia e ampla notoriedade dessa união estável. No casamento, ante a sua peculiar conformação registral, até mesmo porque dele decorre a automática alteração de estado de pessoa e, assim, dos documentos de identificação dos indivíduos, é ínsita essa ampla e irrestrita publicidade. Projetando-se tal publicidade à união estável, a anulação da alienação do imóvel dependerá da averbação do contrato de convivência ou do ato decisório que declara a união no Registro Imobiliário em que inscritos os imóveis adquiridos na constância da união. A necessidade de segurança jurídica, tão cara à dinâmica dos negócios na sociedade contemporânea, exige que os atos jurídicos celebrados de boa-fé sejam preservados. Em outras palavras, nas hipóteses em que os conviventes tornem pública e notória a sua relação, mediante averbação, no registro de imóveis em que cadastrados os bens comuns, do contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência da união estável, não se poderá considerar o terceiro adquirente do bem como de boa-fé, assim como não seria considerado caso se estivesse diante da venda de bem imóvel no curso do casamento. Contrariamente, não havendo o referido registro da relação na matrícula dos imóveis comuns, ou não se demonstrando a má-fé do adquirente, deve-se presumir a sua boa-fé, não sendo possível a invalidação do negócio que, à aparência, foi higidamente celebrado. Por fim, não se olvide que o direito do companheiro prejudicado pela alienação de bem que integrava o patrimônio comum remanesce sobre o valor obtido com a alienação, o que deverá ser objeto de análise em ação própria em que se discuta acerca da partilha do patrimônio do casal. REsp 1.424.275-MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 4/12/2014, DJe 16/12/2014.
Quarta Turma
DIREITO CIVIL. IRRENUNCIABILIDADE, NA CONSTÂNCIA DO VÍNCULO FAMILIAR, DOS ALIMENTOS DEVIDOS.
Tendo os conviventes estabelecido, no início da união estável, por escritura pública, a dispensa à assistência material mútua, a superveniência de moléstia grave na constância do relacionamento, reduzindo a capacidade laboral e comprometendo, ainda que temporariamente, a situação financeira de um deles, autoriza a fixação de alimentos após a dissolução da união. De início, cabe registrar que a presente situação é distinta daquelas tratadas em precedentes do STJ, nos quais a renúncia aos alimentos se deu ao término da relação conjugal. Naqueles casos, o entendimento aplicado foi no sentido de que, "após a homologação do divórcio, não pode o ex-cônjuge pleitear alimentos se deles desistiu expressamente por ocasião do acordo de separação consensual" (AgRg no Ag 1.044.922-SP, Quarta Turma, DJe 2/8/2010). No presente julgado, a hipótese é de prévia dispensa dos alimentos, firmada durante a união estável, ou seja, quando ainda existentes os laços conjugais que, por expressa previsão legal, impõem aos companheiros, reciprocamente, o dever de assistência. Observe-se que a assistência material mútua constitui tanto um direito como uma obrigação para os conviventes, conforme art. 2º, II, da Lei 9.278/1996 e arts. 1.694 e 1.724 do CC. Essas disposições constituem normas de interesse público e, por isso, não admitem renúncia, nos termos do art. 1.707 do CC: "Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora". Nesse contexto, e não obstante considere-se válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião de acordo de separação judicial ou de divórcio, nos termos da reiterada jurisprudência do STJ, não pode ela ser admitida na constância do vínculo familiar. Nesse sentido há entendimento doutrinário e, de igual, dispõe o Enunciado 263, aprovado na III Jornada de Direito Civil, segundo o qual: "O art. 1.707 do Código Civil não impede seja reconhecida válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião do divórcio (direto ou indireto) ou da dissolução da 'união estável'. A irrenunciabilidade do direito a alimentos somente é admitida enquanto subsista vínculo de Direito de Família". Com efeito, ante o princípio da irrenunciabilidade dos alimentos, decorrente do dever de mútua assistência expressamente previsto nos dispositivos legais citados, não se pode ter como válida disposição que implique renúncia aos alimentos na constância da união, pois esses, como dito, são irrenunciáveis. REsp 1.178.233-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 18/11/2014, DJe 9/12/2014.

INFORMATIVA DA JUSRISPRUDÊNCIA DO STJ 566\2015

Segunda Turma
DIREITO ADMINISTRATIVO. FÉRIAS GOZADAS EM PERÍODO COINCIDENTE COM O DA LICENÇA À GESTANTE.
A Lei 8.112/1990 não assegura à servidora pública o direito de usufruir, em momento posterior, os dias de férias já gozados em período coincidente com o da licença à gestante. Ressalta-se que a coincidência das férias com a licença-gestante - sem a possibilidade de gozo ulterior dos dias de férias em que essa coincidência se verificar - não importa violação do direito constitucional a férias. Isso porque, nesse período, há efetivo gozo de férias, ainda que ao mesmo tempo em que a servidora faz jus à licença-gestante, tendo em vista que a referida licença não é causa interruptiva das férias. Observe que o art. 80 da Lei 8.112/1990 assim dispõe: "As férias somente poderão ser interrompidas por motivo de calamidade pública, comoção interna, convocação para júri, serviço militar ou eleitoral, ou por necessidade do serviço declarada pela autoridade máxima do órgão ou entidade". Nesse contexto, vê-se que a palavra "somente" limita a consideração de hipóteses de interrupção de férias e não possibilita eventuais aplicações extensivas. Torna-se indevida, assim, qualquer ampliação do rol desse dispositivo. Nesse sentido, aliás, a Segunda Turma do STJ já decidiu pela impossibilidade de aplicação extensiva do art. 80, caput, da Lei 8.112/1990: "Discute-se nos autos a possibilidade de alteração das férias, em decorrência de licença médica, após iniciado o período de gozo [...] Nos termos da legislação de regência, as hipóteses de interrupção de férias são taxativamente previstas no artigo 80 da Lei n. 8.112/90, dentre as quais não se insere o acometimento de doença e a respectiva licença para tratamento médico" (AgRg no REsp 1.438.415-SE, Segunda Turma, DJe 13/5/2014). AgRg no RMS 39.563-PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 6/8/2015, DJe 18/8/2015.
DIREITO ADMINISTRATIVO. BASE DE CÁLCULO DA COMPENSAÇÃO FINANCEIRA PARA A EXPLORAÇÃO DE RECURSOS MINERAIS.
O valor correspondente aos custos do acondicionamento em garrafas ou embalagem de água mineral em estado natural integra a base de cálculo da Compensação Financeira para a Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Isso porque, nos termos do art. 6º da Lei 7.990/1989, a CFEM "será de até 3% (três por cento) sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral", tendo por consideração o produto obtido não no momento da sua mineração, mas sim "após a última etapa do processo de beneficiamento adotado" (isto é, após o seu acondicionamento em garrafas ou embalagem, ainda em estado natural) "e antes de sua transformação industrial" (tendo em vista que esse simples acondicionamento não constitui "transformação industrial"). Conquanto o conceito de "processo de beneficiamento" esteja previsto no art. 14, III, do Decreto 1/1991, o legislador é omisso quanto ao significado da expressão "transformação industrial". Nesse contexto, ante o silêncio da legislação específica, torna-se importante esclarecer a influência, no caso em análise, do conceito de industrialização utilizado pela legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O conceito de industrialização, conforme o art. 3º da Lei 4.502/1964, abrange tanto as operações de que resulte alteração da natureza do produto (industrialização em sentido estrito: a transformação industrial) quanto as operações que alteram o funcionamento, a utilização, o acabamento ou apresentação do produto (beneficiamento, montagem, acondicionamento ou recondicionamento). Para o IPI, portanto, é indiferente se tratar de transformação industrial, beneficiamento, montagem, acondicionamento, ou recondicionamento, pois tudo está dentro do fato gerador do tributo. Cabe ressaltar, ainda, que o IPI somente não incide sobre o acondicionamento ou a embalagem da água mineral em garrafas em razão da imunidade prevista no art. 155, § 3º, da CF, para as operações relativas a minerais. Contudo, havendo transformação industrial, abre-se a possibilidade de tributação pelo IPI. No caso da água mineral, a lei entendeu por espécie nova a sua transformação em água que "contenha como ingrediente principal inositol, glucoronolactona, taurina ou cafeína" (art. 14, parágrafo único, da Lei 13.097/2015). Assim, se a água mineral não for mais a natural, submete-se à tributação pelo IPI. Diante disso, mutatis mutandis, o mesmo registro se faz quanto à expressão final contida no art. 6º da Lei 7.990/1989: "[...] antes de sua transformação industrial", de modo que o simples acondicionamento em garrafas ou embalagem da água mineral em seu estado natural não constitui "transformação industrial", mas sim etapa anterior que, para os efeitos da legislação da CFEM, é compreendida dentro do conceito amplo de beneficiamento. REsp 1.275.910-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 4/8/2015, DJe 12/8/2015.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS EM DEMANDA PARA O FORNECIMENTO DE ÓRTESES E PRÓTESES.
O INSS é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda cujo escopo seja o fornecimento de órteses e próteses a segurado incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, não apenas quando esses aparelhos médicos sejam necessários à sua habilitação ou reabilitação profissional, mas, também, quando sejam essenciais à habilitação social. Isso porque, em conformidade com o Princípio Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana e com os valores sociais buscados pela República Federativa do Brasil, a norma jurídica que exsurge do texto legal (art. 89, parágrafo único, "a", da Lei 8.213/1991) exige que a habilitação e a reabilitação não se resumam ao mercado de trabalho, mas que também abarquem a vida em sociedade com dignidade. REsp 1.528.410-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 2/6/2015, DJe 12/8/2015.
DIREITO FINANCEIRO. RESTRIÇÃO À TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS FEDERAIS A MUNICÍPIO.
A restrição à transferência de recursos federais a Município que possui pendências no Cadastro Único de Exigências para Transferências Voluntárias (CAUC) e no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI) não pode ser suspensa sob a justificativa de que os recursos destinam-se à pavimentação e drenagem de vias públicas. Isso porque essas atividades não podem ser enquadradas no conceito de ação social previsto no art. 26 da Lei 10.522/2002, dispositivo legal cujo teor preconiza a suspensão de inscrição desabonadora no SIAFI e no CADIN, na hipótese de transferência de recursos federais à municipalidade destinados a ações sociais e a ações em faixa de fronteira. De fato, a interpretação da expressão "ações sociais" não pode ser abrangente a ponto de abarcar situações que o legislador não previu, sob pena de esvaziamento, por completo, da Lei 10.522/2002. Em verdade, a definição do conceito do referido termo deve ser resultado de uma interpretação restritiva, teleológica e sistemática, mormente diante do fato de que qualquer ação governamental em prol da sociedade pode ser passível de enquadramento no conceito de ação social. Desta feita, a expressão "ações sociais" deve ser interpretada de modo a abranger aquelas que objetivam o atendimento dos direitos sociais assegurados aos cidadãos, cuja realização é obrigatória por parte do Poder Público, como aquelas mencionadas na Constituição Federal, nos artigos 6º, 193, 194, 196, 201, 203, 205, 215 e 217 (alimentação, moradia, segurança, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, ordem social, seguridade social, saúde, previdência social, assistência social, educação, cultura e desporto). Portanto, a pavimentação e a drenagem de vias públicas não podem ser enquadradas no conceito de ação social previsto no art. 26 da Lei 10.522/2002, embora o direito à infraestrutura urbana e aos serviços públicos, os quais abarcam o direito à pavimentação e drenagem de vias públicas, efetivamente componham o rol de direitos que dão significado à garantia a cidades sustentáveis, conforme previsão do art. 2º da Lei 10.257/2001 (Estatuto das Cidades). Precedente citado: REsp 1.372.942-AL, Primeira Turma, DJe 11/4/2014. REsp 1.527.308-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 16/6/2015, DJe 5/8/2015.
DIREITO ADMINISTRATIVO E DO CONSUMIDOR. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E APLICAÇÃO DE SANÇÕES PELO PROCON.
O Procon pode, por meio da interpretação de cláusulas contratuais consumeristas, aferir sua abusividade, aplicando eventual sanção administrativa. A alínea "c" do inciso II do art. 4º do CDC legitima a presença plural do Estado no mercado, tanto por meio de órgãos da Administração Pública voltados à defesa do consumidor (tais como o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, os Procons estaduais e municipais), quanto por meio de órgãos clássicos (Defensorias Públicas do Estado e da União, Ministério Público estadual e federal, delegacias de polícia especializada, agências e autarquias fiscalizadoras, entre outros). Nesse contexto, o Decreto 2.181/1997 dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC e estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas no CDC. Posto isso, o art. 4º, IV, do referido Decreto enuncia que: "[...] caberá ao órgão estadual, do Distrito Federal e municipal de proteção e defesa do consumidor, criado, na forma da lei, especificamente para este fim, [...] funcionar, no processo administrativo, como instância de instrução e julgamento, no âmbito de sua competência, dentro das regras fixadas pela Lei nº 8.078, de 1990, pela legislação complementar e por este Decreto". O caput do art. 22, por sua vez, elucida que: "Será aplicada multa ao fornecedor de produtos ou serviços que, direta ou indiretamente, inserir, fizer circular ou utilizar-se de cláusula abusiva, qualquer que seja a modalidade do contrato de consumo [...]". Assim, se não pudesse o Procon perquirir cláusulas contratuais para identificar as abusivas ou desrespeitosas ao consumidor, como seria possível a tal órgão aplicar a sanção administrativa pertinente? O Procon, embora não detenha jurisdição, está apto a interpretar cláusulas contratuais, porquanto a Administração Pública, por meio de órgãos de julgamento administrativo, pratica controle de legalidade, o que não se confunde com a função jurisdicional propriamente dita pertencente ao Judiciário. Isso sem dizer que o princípio da inafastabilidade da jurisdição faz com que a sanção administrativa oriunda desse órgão da Administração Pública voltado à defesa do consumidor seja passível de ser contestada por ação judicial. Salienta-se, por fim, que a sanção administrativa prevista no art. 57 do CDC é legitimada pelo poder de polícia (atividade administrativa de ordenação) que o Procon detém para cominar multas relacionadas à transgressão dos preceitos da Lei 8.078/1990. Precedente citado: REsp 1.256.998-GO, Primeira Turma, DJe 6/5/2014. REsp 1.279.622-MG, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 6/8/2015, DJe 17/8/2015.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. HABILITAÇÃO TARDIA DE PENSIONISTA MENOR.
Ainda que o beneficiário seja "pensionista menor", a pensão por morte terá como termo inicial a data do requerimento administrativo - e não a do óbito - na hipótese em que, postulado após trinta dias do óbito do segurado, o benefício já vinha sendo pago integralmente a outro dependente previamente habilitado. A jurisprudência prevalente do STJ é no sentido de que, comprovada a absoluta incapacidade do requerente, faz ele jus ao pagamento das parcelas de pensão por morte desde a data do óbito do segurado, ainda que não haja postulação administrativa no prazo de trinta dias (REsp 1.405.909-AL, Primeira Turma, DJe 9/9/2014; REsp 1.354.689-PB, Segunda Turma, DJe 11/3/2014). Isso porque, nos termos do art. 79 da Lei 8.213/1991, está claro que tanto o prazo de decadência quanto o prazo de prescrição previstos no art. 103 da referida Lei são inaplicáveis ao pensionista menor, situação esta que só desaparece com a maioridade, nos termos do art. 5º do Código Civil. Contudo, o dependente menor que não pleiteia a pensão por morte no prazo de trinta dias a contar da data do óbito do segurado (art. 74 da Lei 8.213/1991) não tem direito ao recebimento do referido benefício a partir da data do falecimento do instituidor, na hipótese em que a pensão houver sido integralmente paga a outros dependentes que já estavam previamente habilitados perante o INSS. Com efeito, a habilitação posterior do dependente menor somente deverá produzir efeitos a contar desse episódio, de modo que não há que falar em efeitos financeiros para momento anterior à sua inclusão (art. 76 da Lei 8.213/1991). Ressalta-se, inclusive, que admitir o contrário implicaria em inevitável prejuízo à autarquia previdenciária, que seria condenada a pagar duplamente o valor da pensão. Precedente citado: REsp 1.377.720-SC, Segunda Turma, DJe 5/8/2013. REsp 1.513.977-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23/6/2015, DJe 5/8/2015.
Terceira Turma
DIREITO CIVIL. IRRETROATIVIDADE DE REGRA QUE PROÍBE REAJUSTE PARA SEGURADOS MAIORES DE SESSENTA ANOS.
No contrato de seguro de vida celebrado antes da Lei 9.656/1998, é a partir da vigência dessa Lei que se contam os 10 anos de vínculo contratual exigidos, por analogia, pelo parágrafo único do artigo 15 para que se considere abusiva, para o segurado maior de 60 anos, a cláusula que prevê o aumento do prêmio do seguro de acordo com a faixa etária. Isso porque, no ordenamento jurídico brasileiro, vigora o princípio da irretroatividade da lei, pelo qual a lei nova produzirá efeitos imediatos a partir de sua entrada em vigor, não podendo prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 6º da LINDB e art. 5º, XXXVI, da CF). Ou seja, a regra é que a lei não retroage para alcançar fatos ocorridos no passado. Desse modo, as disposições contidas na Lei 9.656/1998 nunca poderiam retroagir, até porque, no passado, o direito agora previsto não existia. EDcl no REsp 1.376.550-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 4/8/2015, DJe 17/8/2015.
DIREITO CIVIL. PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA NA AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE BENEFICIÁRIO NO CONTRATO DE SEGURO DE VIDA.
Na hipótese em que o segurado tenha contratado seguro de vida sem indicação de beneficiário e, na data do óbito, esteja separado de fato e em união estável, o capital segurado deverá ser pago metade aos herdeiros, segundo a ordem da vocação hereditária, e a outra metade à cônjuge não separada judicialmente e à companheira. De fato, o art. 792 do CC dispõe que: "Na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que for feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem da vocação hereditária". Em que pese a doutrina pátria divergir a respeito da interpretação a ser dada ao referido dispositivo legal, o intérprete não deve se apegar simplesmente à letra da lei. Desse modo, ele deve perseguir o espírito da norma a partir de outras, inserindo-a no sistema como um todo, para extrair, assim, o seu sentido mais harmônico e coerente com o ordenamento jurídico. Nesse contexto, nunca se pode perder de vista a finalidade da lei, ou seja, a razão pela qual foi elaborada e o bem jurídico que visa proteger. Dessa forma, os métodos de interpretação da norma em questão devem ser o sistemático e o teleológico (art. 5º da LINDB), a amparar também a figura do companheiro (união estável). Nesse passo, impende assinalar que o segurado, ao contratar o seguro de vida, geralmente possui a intenção de resguardar a própria família, os parentes ou as pessoas que lhe são mais valiosas, de modo a não deixá-los desprotegidos economicamente quando de seu óbito. Logo, na falta de indicação de beneficiário na apólice de seguro de vida, revela-se incoerente com o sistema jurídico nacional o favorecimento do cônjuge separado de fato em detrimento do companheiro do segurado, sobretudo considerando que a união estável é reconhecida constitucionalmente como entidade familiar. Ademais, ressalte-se que o reconhecimento da qualidade de companheiro pressupõe a inexistência de cônjuge ou o término da sociedade conjugal (arts. 1.723 a 1.727 do CC). Efetivamente, a separação de fato se dá na hipótese de rompimento do laço de afetividade do casal, ou seja, ocorre quando esgotado o conteúdo material do casamento. A exegese exposta privilegia a finalidade e a unidade do sistema, harmonizando os institutos do direito de família com o direito obrigacional, coadunando-se ao que já ocorre na previdência social e na do servidor público e militar para os casos de pensão por morte: rateio igualitário do benefício entre o ex-cônjuge e o companheiro (AgRg no Ag 1.088.492-SP, Terceira Turma, DJe 1º/6/2015). Portanto, a interpretação do art. 792 do CC mais consentânea com o ordenamento jurídico é que, no seguro de vida, na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, o capital segurado deverá ser pago metade aos herdeiros do segurado, segundo a ordem da vocação hereditária, e a outra metade ao cônjuge não separado judicialmente e ao companheiro, desde que comprovada, nessa última hipótese, a união estável. REsp 1.401.538-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 4/8/2015, DJe 12/8/2015.
DIREITO CIVIL. PAGAMENTO DE DIREITOS AUTORAIS PELA EXECUÇÃO PÚBLICA DE FONOGRAMAS INSERIDOS EM TRILHAS SONORAS DE FILMES.
É possível a suspensão ou a interrupção da transmissão ou retransmissão públicas de obra audiovisual por sociedade empresária do ramo cinematográfico no caso em que não houver o prévio pagamento dos direitos autorais referentes à transmissão ou à retransmissão dos fonogramas que componham a trilha sonora da obra cinematográfica, ainda que os detentores dos direitos autorais dos fonogramas tenham concedido, ao diretor ou ao produtor da obra cinematográfica, autorizações para inserção das suas obras na trilha sonora do filme. Isso porque, de acordo com o art. 105 da Lei 9.610/1998, a "transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a comunicação ao público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares, deverão ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente [...]". Nesse contexto, cabe ressaltar que a prévia autorização concedida pelos detentores dos direitos autorais dos fonogramas apenas para a sincronização das suas obras na trilha sonora da obra cinematográfica não abrange autorização para execução pública, uma vez que, na forma do art. 31 da Lei 9.610/1998, "as diversas modalidades de utilização de obras literárias, artísticas ou científicas ou de fonogramas são independentes entre si, e a autorização concedida pelo autor, ou pelo produtor, respectivamente, não se estende a quaisquer das demais". Esse entendimento, aliás, encontra amparo na jurisprudência da Terceira Turma do STJ segundo a qual são devidos direitos autorais pela exibição pública de trilhas sonoras nos filmes (AgRg nos EDcl no REsp 885.783-SP, DJe 22/5/2013; REsp 590.138-RS, DJ 12/9/2005; e AgRg no REsp 403.668-RJ, DJ 7/4/2003). Além disso, mostra-se correta a aplicação, ao caso em análise - que diz respeito a sociedades empresárias do ramo cinematográfico -, do entendimento adotado pela Terceira Turma do STJ no sentido de que é possível a suspensão ou interrupção da transmissão de obras musicais por emissora de radiodifusão em razão da falta de pagamento dos direito autorais, conforme previsto no art. 105 da Lei 9.610/1998 (REsp 1.190.841-SC, Terceira Turma, DJe 21/6/2013; e REsp 936.893-RN, Terceira Turma, DJe 13/2/2012), visto que, em síntese, a hipótese em apreço também representa violação de direito material de direitos autorais. AgRg no AgRg no REsp 1.484.566-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 6/8/2015, DJe 13/8/2015.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA JULGAR DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE LIMITADA COM APURAÇÃO DE HAVERES.
Compete ao juízo cível - e não ao juízo de sucessões no qual tramita o inventário - julgar, com consequente apuração de haveres do de cujus, dissolução parcial de sociedade limitada que demande extensa dilação probatória. De fato, conforme entendimento do STJ, "Cabe ao juízo do inventário decidir, nos termos do art. 984 do CPC, 'todas as questões de direito e também as questões de fato, quando este se achar provado por documento, só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas', entendidas como de 'alta indagação' aquelas questões que não puderem ser provadas nos autos do inventário" (REsp 450.951-DF, Quarta Turma, DJe 12/4/2010). Nesse diapasão, questões de alta indagação, que, por exigirem extensa dilação probatória, extrapolam a cognição do juízo do inventário, devem ser remetidas aos meios ordinários. Logo, é no juízo cível que haverá lugar para a dissolução parcial das sociedades limitadas e consequente apuração de haveres do de cujus, visto que, nessa via ordinária, deve ser esmiuçado, caso a caso, o alcance dos direitos e obrigações das partes interessadas - os quotistas e as próprias sociedades limitadas -, indiferentes ao desate do processo de inventário. Deixa-se, pois, ao juízo do inventário a atribuição jurisdicional de descrever o saldo advindo com a liquidação das sociedades comerciais, para que possa dar à herança a devida partilha, não comportando seu limitado procedimento questões mais complexas que não aquelas voltadas para o levantamento, descrição e liquidação do espólio. REsp 1.459.192-CE, Rel. originário Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão João Otávio de Noronha, julgado em 23/6/2015, DJe 12/8/2015.
DIREITO CIVIL. DÍVIDA DE JOGO CONTRAÍDA EM CASA DE BINGO.
A dívida de jogo contraída em casa de bingo é inexigível, ainda que seu funcionamento tenha sido autorizado pelo Poder Judiciário. De acordo com o art. 814, §2º, do CC, não basta que o jogo seja lícito (não proibido), para que as obrigações dele decorrentes venham a ser exigíveis, é necessário, também, que seja legalmente permitido. Nesse contexto, é importante enfatizar que existe posicionamento doutrinário, no sentido de que os jogos classificam-se em autorizados, proibidos ou tolerados. Os primeiros, como as loterias (Decreto-Lei 204/1967) ou o turfe (Lei 7.294/1984), são lícitos e geram efeitos jurídicos normais, erigindo-se em obrigações perfeitas (art. 814, § 2º, do CC). Os jogos ou apostas proibidos são, por exemplo, as loterias não autorizadas, como o jogo do bicho, ou os jogos de azar referidos pelo art. 50 da Lei das Contravenções Penais. Os jogos tolerados, por sua vez, são aqueles de menor reprovabilidade, em que o evento não depende exclusivamente do azar, mas igualmente da habilidade do participante, como alguns jogos de cartas. Inclusive, como uma diversão sem maior proveito, a legislação não os proíbe, mas também não lhes empresta a natureza de obrigação perfeita. No caso, por causa da existência de liminares concedidas pelo Poder Judiciário, sustenta-se a licitude de jogo praticado em caso de bingo. Porém, mais do que uma aparência de licitude, o legislador exige autorização legal para que a dívida de jogo obrigue o pagamento, até porque, como se sabe, decisões liminares têm caráter precário. Assim, não se tratando de jogo expressamente autorizado por lei, as obrigações dele decorrentes carecem de exigibilidade, sendo meras obrigações naturais. REsp 1.406.487-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 4/8/2015, DJe 13/8/2015.
Quarta Turma
DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO DE IMÓVEL RURAL DE ÁREA INFERIOR AO MÓDULO RURAL.
Presentes os requisitos exigidos no art. 191 da CF, o imóvel rural cuja área seja inferior ao "módulo rural" estabelecido para a região (art. 4º, III, da Lei 4.504/1964) poderá ser adquirido por meio de usucapião especial rural. De fato, o art. 65 da Lei 4.504/1964 (Estatuto da Terra) estabelece que "O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural". A Lei 4.504/1964 (Estatuto da Terra) - mais especificamente, o seu art. 4º, III (que prevê a regra do módulo rural), bem como o art. 65 (que trata da indivisibilidade do imóvel rural em área inferior àquele módulo) -, ainda que anterior à Constituição Federal de 1988, buscou inspiração, sem dúvida alguma, no princípio da função social da propriedade. Nesse contexto, cabe afirmar que a propriedade privada e a função social da propriedade estão previstas na Constituição Federal de 1988 dentre os direitos e garantias individuais (art. 5º, XXIII), sendo pressupostos indispensáveis à promoção da política de desenvolvimento urbano (art. 182, § 2º) e rural (art. 186, I a IV). No caso da propriedade rural, sua função social é cumprida, nos termos do art. 186 da CF, quando seu aproveitamento for racional e apropriado; quando a utilização dos recursos naturais disponíveis for adequada e o meio ambiente preservado, assim como quando as disposições que regulam as relações de trabalho forem observadas. Realmente, o Estatuto da Terra foi pensado a partir da delimitação da área mínima necessária ao aproveitamento econômico do imóvel rural para o sustento familiar, na perspectiva de implementação do princípio constitucional da função social da propriedade, importando sempre e principalmente, que o imóvel sobre o qual se exerce a posse trabalhada possua área capaz de gerar subsistência e progresso social e econômico do agricultor e sua família, mediante exploração direta e pessoal - com a absorção de toda a força de trabalho, eventualmente com a ajuda de terceiros. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 191, cujo texto se faz idêntico no art. 1.239 do CC, disciplinou a usucapião especial rural, nos seguintes termos: "Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade". Como se verifica neste artigo transcrito, há demarcação de área máxima passível de ser usucapida, não de área mínima, o que leva os doutrinadores a concluírem que mais relevante que a área do imóvel é o requisito que precede a ele, ou seja, o trabalho realizado pelo possuidor e sua família, que torna a terra produtiva e lhe confere função social. A usucapião especial rural é caracterizada pelo elemento posse-trabalho. Serve a essa espécie tão somente a posse marcada pela exploração econômica e racional da terra, que é pressuposto à aquisição do domínio do imóvel rural, tendo em vista a intenção clara do legislador em prestigiar o possuidor que confere função social ao imóvel rural. Assim, a partir de uma interpretação teleológica da norma, que assegure a tutela do interesse para a qual foi criada, conclui-se que, assentando o legislador, no ordenamento jurídico, o instituto da usucapião rural, prescrevendo um limite máximo de área a ser usucapida, sem ressalva de um tamanho mínimo, estando presentes todos os requisitos exigidos pela legislação de regência, não há impedimento à aquisição usucapicional de imóvel que guarde medida inferior ao módulo previsto para a região em que se localize. Ressalte-se que esse entendimento vai ao encontro do que foi decidido pelo Plenário do STF, que, por ocasião do julgamento do RE 422.349-RS (DJe 29/4/2015), fixou a seguinte tese: "Preenchidos os requisitos do art. 183 da CF, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área onde situado o imóvel (dimensão do lote)". REsp 1.040.296-ES, Rel. originário Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/6/2015, DJe 14/8/2015.
DIREITO CIVIL. CONTRATO DE DEPÓSITO BANCÁRIO E TERMO FINAL DE INCIDÊNCIA DOS JUROS REMUNERATÓRIOS.
Na execução individual de sentença proferida em ação civil pública que reconhece o direito de poupadores aos expurgos inflacionários relativos ao período de junho de 1987 e janeiro de 1989 (Planos Bresser e Verão), os juros remuneratórios são devidos até a data de encerramento da conta poupança, mas se a instituição bancária deixar de demonstrar precisamente o momento em que a conta bancária chegou ao seu termo, os juros remuneratórios deverão incidir até a citação ocorrida nos autos da ação civil pública objeto da execução. Os juros remuneratórios são devidos ao cliente/depositante em razão da utilização do capital (valor depositado) pela instituição bancária. A par disso, se os juros remuneratórios são cabíveis como compensação ou remuneração do capital, caso o capital não esteja mais à disposição da instituição bancária, não há nenhuma justificativa para a incidência dos referidos juros, pois o poupador/depositante não estará mais privado da utilização do dinheiro e o banco não estará fazendo uso de "capital alheio". Nesse sentido, a Terceira Turma do STJ (AgRg no REsp 1.505.007-MS, DJe 18/5/2015) afirmou que "Os juros remuneratórios incidem até a data de encerramento da conta poupança porque (1) após o seu encerramento não se justifica a incidência de juros, já que o poupador não mais estará privado da utilização de seu capital; e, (2) os juros são frutos civis e representam prestações acessórias ligadas à obrigação principal". Nesse contexto, cabe ressaltar que não se desconhece que a jurisprudência do STJ também possui o entendimento no sentido de que os juros remuneratórios têm como termo final a data do efetivo pagamento da dívida (AgRg no AREsp 408.287-SP, Terceira Turma, DJe 27/5/2014; AgRg no Ag 1.010.310-DF, Quarta Turma, DJe 31/10/2012). Por sua vez, o contrato de depósito pecuniário ou bancário por ostentar natureza real, somente se aperfeiçoa com a efetiva entrega do dinheiro ou equivalente ao banco. Nessa linha de intelecção, observa-se, portanto, que uma das formas de extinção dessa espécie contratual ocorre com a retirada da quantia integralmente depositada ou diante do pedido feito pelo depositante para que a conta bancária seja encerrada, com a consequente devolução de todo o montante pecuniário. É o que se extrai da dicção do art. 1.265, caput, do CC/1916, cujo texto foi reproduzido pelo art. 627 do CC/2002. No entanto, caso o banco não demonstre a data de extinção da conta-poupança, a melhor solução consiste em adotar a data da citação ocorrida nos autos da ação civil pública objeto da execução como o termo final dos juros remuneratórios. Isso porque, na hipótese em análise, o ônus de comprovação da data de encerramento da conta-poupança, pela retirada do valor depositado, incumbe à instituição bancária, nos termos do art. 333, II, do CPC, uma vez que se trata de fato que delimita a extensão do pedido formulado pelo autor desse tipo de demanda. Ademais, porque essa sistemática impede que exista concomitantemente a incidência de juros remuneratórios e moratórios dentro de um mesmo período, uma vez que, na hipótese aqui analisada, o depositante, no momento da propositura da ação coletiva, demonstra o interesse em rever os reflexos dos expurgos inflacionários, ocorrendo a constituição em mora do banco, por não satisfazer voluntariamente a pretensão resistida, momento a partir do qual deverão ser aplicados os juros de mora. Trata-se, além disso, de sistemática que se coaduna com entendimento recente da Corte Especial do STJ, julgado sob o regime do art. 543-C do CPC, no sentido de que "Os juros de mora incidem a partir da citação do devedor na fase de conhecimento da Ação Civil Pública, quando esta se fundar em responsabilidade contratual, sem que haja configuração da mora em momento anterior" (REsp 1.361.800-SP, Corte Especial, DJe 14/10/2014). REsp 1.535.990-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 04/8/2015, DJe 20/8/2015.
Quinta Turma
DIREITO PROCESSUAL PENAL. EXTRADIÇÃO SUPLETIVA.
Caso seja oferecida denúncia pelo Ministério Público por fato anterior e não contido na solicitação de extradição da pessoa entregue, deve a ação penal correspondente ser suspensa até que seja julgado pedido de extradição supletiva, nos termos do art. 14 do Decreto 4.975/2004 (Acordo de Extradição entre Estados Partes do Mercosul). O art. 14 do referido diploma dispõe que: "1. Do Princípio da Especialidade. A pessoa entregue não será detida, julgada nem condenada, no território do Estado Parte requerente, por outros delitos cometidos previamente à data de solicitação da extradição, e não contidos nesta, salvo nos seguintes casos: a) quando a pessoa extraditada, podendo abandonar o território do Estado Parte ao qual foi entregue, nele permanecer voluntariamente por mais de 45 dias corridos após sua libertação definitiva ou a ele regressar depois de tê-lo abandonado; b) quando as autoridades competentes do Estado Parte requerido consentirem na extensão da extradição para fins de detenção, julgamento ou condenação da referida pessoa em função de qualquer outro delito. 2. Para tal efeito, o Estado Parte requerente deverá encaminhar ao Estado Parte requerido pedido formal de extensão da extradição, cabendo ao Estado Parte requerido decidir se a concede. O referido pedido deverá ser acompanhado dos documentos previstos no parágrafo 4 do Artigo 18 deste Acordo e de declaração judicial sobre os fatos que motivaram o pedido de extensão, prestada pelo extraditado com a devida assistência jurídica." O princípio da especialidade previsto no referido dispositivo se revela como uma proteção ao extraditando de não ser detido, processado ou condenado por delitos cometidos em datas anteriores à solicitação de extradição. Ademais, o pedido de extradição supletiva ou suplementar (art. 14, § 2º) não viola tal princípio, sendo juridicamente possível (STF, Ext 1.052 extensão - Reino dos Países Baixos, Tribunal Pelo, DJe 5/12/2008). Precedente do STF: Inq 731 QO/AG - Argélia, Tribunal Pleno, DJe de 20/10/1995). RHC 45.569-MT, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 4/8/2015, DJe 12/8/2015.
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. DESNECESSIDADE DE DUPLA IMPUTAÇÃO EM CRIMES AMBIENTAIS.
É possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome. Conforme orientação da Primeira Turma do STF, "O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação" (RE 548.181, Primeira Turma, DJe 29/10/2014). Diante dessa interpretação, o STJ modificou sua anterior orientação, de modo a entender que é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome. Precedentes citados: RHC 53.208-SP, Sexta Turma, DJe 1º/6/2015; HC 248.073-MT, Quinta Turma, DJe 10/4/2014; e RHC 40.317-SP, Quinta Turma, DJe 29/10/2013. RMS 39.173-BA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 6/8/2015, DJe 13/8/2015.